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domingo, 30 de novembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

"Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte *


Estava curiosa...
Nunca consegui ler nada do Saramago, muitas vezes me perguntei se era das poucas almas que não se rendiam à escrita do Sr. Nobel...
Não li o livro...
Deve ter sido a primeira vez que vi um filme sem primeiro ter lido o livro. O que acontece a maior parte das vezes é que saio de lá desapontada. Desta vez não li.
Fui ver o filme...
A única coisa que conhecia do argumento, da história, era o que a publicidade em redor do mesmo mostrava: o mundo fica cego, por conta de uma epidemia desconhecida e há uma única mulher que vê.
O facto de se falar nele como um dos candidatos aos óscares, também despontou alguma curiosidade. Depois de o ter visto, se não ganhar nada é uma tremenda injustiça (é a minha opinião..)
Fiquei incomodada...
Acho que é impossivel não ficar.
A visão do mundo, da civilização é assustadora, a degradação da sociedade, o papel daquela mulher...
Nas palavras do autor da obra
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

É impossível descrevê-lo melhor!
E o filme fá-lo de uma maneira que nos deixa nesta aflição durante os 110 minutos e depois.

O realizador parece especialista em filmes "difíceis", que nos "choquem" (não se fica indiferente também aos Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro)
Os jogos de luz, a escuridão e a claridade, quase parece que o filme é a preto e branco (alías Fernando Meirelles tem características de realização que lhe são peculiares), a fotografia é excelente, a banda sonora ainda adensa mais a complexidade da história.

Fiquei com vontade de ler o livro, de ler Saramago...

* lê-se na contracapa do livro

2 comentários:

prof.essa disse...

Olá Malvada,
li o livro quando ele surgiu e ficou o meu favorito. Na altura fiquei chocada. Neste momento não sei se tenho coragem para sofrer novamente e ver o filme...
Bjs, Marcolina

Anónimo disse...

OlÁ!

E já cheguei ( longe vai o nosso almoço) ao teu coisassoltas. Lindo!!!

Fiquei fan dos teus textos, das tuas propostas. Quanto ao filme, partilho contigo as impressões. è um sufoco, quase uma agonia, por vezes. A intensidade da luz a tornar-nos também cegos, a incomodar-nos deliberadamente. A cor mais nítida, a sugerir que vejamos, através da mulher, a ignomínia humana, as suas limitações, mas também ( numa nota de esperança) os pequenos gestos de afecto, as pequenas fortes alianças. É Meireles (realizador) no seu melhor, como habitualmente. Uma adaptação fantástica do livro de Saramago. Li-o, gostei.E não menos do filme que, não sendo uma adaptação "colada" ao texto, é uma leitura poderosa e universalista.

Sofremos, mas adquirimos lucidez sobre a condição humana. Ganhamos força com aquela mulher que vê, tão só... a única a ter o dom da visão.. e vê por demais. Terá, depois, de perder o dom para se pacificar e poder atingir o reino do puro, aquele em que " o essencial é invisível para os olhos", como Principezinho dizia ...

Filme a ver. Ainda está por Lisboa...

Continua o teu trabalho... Malvadas assim dão cor à vida.

Bj

Afonsina